quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Passei toda a noite


Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distração animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero.
Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.

Alberto Caeiro . O pastor amoroso
Fernando Pessoa

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Em um instante se lembrou de todos os beijos que dera sob a chuva.
E o vazio começou a encher-se d'água.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Little poem


Teu cheiro me pega desprevenida
Em tédio e ócio
Com a face virada pro nada
Encarando teus olhos
Estáticos
Em conforto
Em cansaço
Em tédio e ócio

sábado, 6 de novembro de 2010

"La fille danse
Quand elle joue avec moi
Et je pense que je l'aime des fois
Le silence, n'ose pas dis-donc
Quand on est ensemble
Mettre les mots
Sur la petite dodo"

D. R.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Tristeza


O que acontece quando uma pessoa nasce para estar só?
Minutos longos cercados de vazio e preenchidos em cada segundo possível.
Acontece um mundo cheio de passos sem a promessa da espera.
Vai passar... Vai passar...
Mas o que está nunca passa. Está.

sábado, 7 de agosto de 2010

Exercício de escrita


A idéia que formei sobre a criatividade e sobre o processo criativo propriamente dito sempre me pareceu tão convincente que nunca tive grandes crises quanto às minhas pretensões literárias.
Escrevo porque e quando sinto que isso me será agradável, por quaisquer que sejam as razões. Mas, principalmente, escrevo quando sinto vontade (quase necessidade); pois quando há vontade de criar algo tudo pode se tornar interessante o bastante para se refletir, elaborar e escrever.
Geralmente esse anseio vem quando estou ou muito introspectiva ou muito atenta ao mundo exterior, ou ainda quando estou introspectiva E atenta ao mundo aqui fora de mim – uma raríssima conjunção de estados mentais, eu confesso...
Em todos os outros instantes, por mais que eu veja, ouça ou pense em algo super instigante, se não estou num writing-state não adianta, empaca, não consigo!, fica grotesco, indecifrável.
Entendam, não é só o tema, o porquê, o para quê; é o gosto e o gozo pelas palavras que vão vindo quase miticamente e aparecendo diante dos seus olhos, corpos belos, precisos para aquilo que você quer dizer do jeito que você quer dizer!
Você pode dizer que, no fundo no fundo eu só sou uma preguiçosa mesmo, uma acomodada que não se dá ao trabalho de buscar inspiração, entretanto não creio que isso seja um ponto relevante, afinal as minhas ditas pretensões não almejam nenhum reconhecimento além de uma esfera íntima, na maioria das vezes nem chegando a cruzar a fronteira Universo.Isapandora/Everything.Else.
Enfim, qual o sentido em me entediar forçando palavras que, para mim, apenas devem ser pelo prazer em ser?
Obviamente esse post começou como um desempacante qualquer para um blog esquecido dos deuses! Mas ainda assim feels great!, pegar no ar coisas sem nada com nada, e ver no que dá...

sábado, 3 de abril de 2010

Stress, stress, stress...


Sempre que vamos sair para uma viagem de carro em família minha mãe dá um jeito de ficar irritada com algo: ou estamos demorando em nos arrumar, ou ela se mete em uma discussão sobre a rota de viagem ou a disposição das malas no bagageiro com o meu pai, ou acha inconcebível que alguém não queira ir para onde ela quer ir, não sei! Acho que há alguma satisfação inconsciente em estar insatisfeita com algo...
Ultimamente um ponto-chave desta insatisfação é meu desempenho guiando o carro.
Existem coisas, certas habilidades, que você só adquire com a prática contínua.
Tricô, por exemplo, ou andar de bicicleta.
Acho que aprender a dirigir também se enquadra nesse grupo e minha mãe, desde que tenho carteira de motorista, justifica com isso o fato de não deixar que eu dirija o carro da família. Diz que a auto-escola não dá experiência e destreza suficiente.
Eu não nego a lógica dessa explicação, mas convenhamos que utilizar sempre essa desculpa só faz cair num ciclo sem fim: se não dirijo, não ganho experiência, cuja ausência é aquilo que me impede de dirigir.
Em suma, o desabafo deste texto em específico é minha indignação perante a confusão dos meus pais entre a minha confiança (aleluia, sou confiante com algo!) e imprudência.
Claro que o fato de eu ter sempre me mostrado uma pessoa prudente, pendendo às vezes para a insegurança mesmo, pode tornar implausível ou frágil diante deles essa segurança que já tenho com o volante (conquistada com algumas poucas oportunidades de viagens para visitar minha avó em outra cidade, em algumas das quais eu dirigi por rodovias federais e estaduais, inclusive com grande movimentação e em condições de chuva forte!).
Mas vamos direto à cena: estávamos na BR101, eu ia guiando enquanto minha mãe ia sentada – e remexendo-se – no banco de trás.
“Isadora, vai mais devagar!”
“Mãe, estou a 80 por hora...”
“Isadora, ultrapassa, mas já pega a pista da direita!”
“Mãe, eu já estou na pista da direita...”
Um pequeno adendo... Estávamos indo para Criciúma, e sempre nos perdemos quando vamos para Criciúma... Sempre, e o calor insuportável mais a característica (naquele momento inadequadamente irritante e desconcentrante) da minha mãe sussurrar enquanto dava as indicações e de gritar quando eu não as ouvia, nos traz à crise do retorno:
“Mãe, pego essa entrada?”
“Não, acho que é mais pra frente... [Passando por uma placa da próxima cidade] Não, acho que aquela era a entrada... Acho que a gente já passou a entrada...”
Pois então, passamos direto pela entrada.
“Pega o primeiro retorno que você encontrar”
Okay, atenta por uma placa laranja de retorno!
Outro pequeno adendo... Sinalização de retorno em cima de uma curva não é algo muito visível.
Eu dou de cara com o retorno, entro nele rapidamente diminuindo a marcha numa curva sem deixar o carro morrer ou correr para trás – U-A-U, reflexos dignos do Bruce Willis, em minha opinião – mas dou de cara² com o semblante estou-gritando-por-dentro-mas-rindo-de-nervosa da minha mãe pelo retrovisor.
Aí ela já ficou ansiosa, usou aquele timbre soprano-que-está-gritando-com-você-num-momento-errado, eu volto para a BR enganada, tenho de retornar para o outro retorno de novo...
Ahhhh!
[Bem-vindos à Criciúma]
Muito bem, estamos vivos e estamos no perímetro urbano da cidade onde deveríamos estar. Agora o pesadelo de encontrar o trabalho do meu pai.
Little question: Se das duas ou três vezes que entramos pelo lugar certo da cidade não o encontramos, quais as chances de encontrar o caminho depois de ter entrado pelo lugar errado?
Aparentemente todas: minha mãe reconhece o cafundó no qual nos embrenhamos e enxerga uma placa minúscula que indica o lugar.
Estrada de chão (obviamente minha mãe reclama da velocidade – e se vocês querem mesmo saber eu estava a 30 km/h em 2ª marcha!) e eu morrendo de medo de atropelar algum nos integrantes de uma pequena procissão de sexta-feira santa que seguia no lado contrário da via, vindo em nossa direção.
Ninguém saiu ferido e eu ainda estacionei o carro perto de um laguinho sem deixar que ele caísse no laguinho.
Ufa!
Tudo bem, não nego minha parcela de culpa por não ter entendido que a segunda placa de retorno era a continuação do retorno que eu queria pegar desde o começo!
Ainda sim, duas coisas me consolam:
1° Essa foi mais uma experiência (e sim, uma experiência positiva) para cortar o argumento da minha mãe sobre a minha falta de prática;
2° Ela também teria se perdido se estivesse dirigindo...
Touché

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

In memoriam


Quero ir-me embora pra estrela
Que vi luzindo no céu
Na várzea do setestrelo.
Sairei de casa à tarde
Na hora crepuscular
Em minha rua deserta
Nem uma janela aberta
Ninguém para me espiar
De vivo verei apenas
Duas mulheres serenas
Me acenando devagar.
Será meu corpo sozinho
Que há de me acompanhar
Que a alma estará vagando
Entre os amigos, num bar.
Ninguém ficará chorando
[...]
Irei embora sozinho
Sem angústia nem pesar
Antes contente da vida
Que não pedi, tão sofrida
Mas não perdi por ganhar.
Verei a cidade morta
Ir ficando para trás
E em frente se abrirem campos
Em flores e pirilampos
Como a miragem de tantos
Que tremeluzem no alto.
Num ponto qualquer da treva
Um vento me envolverá
Sentirei a voz molhada
Da noite que vem do mar
Chegar-me-ão falas tristes
Como a querer me entristar
Mas não serei mais lembrança
Nada me surpreenderá:
Passarei lúcido e frio
Compreensivo e singular
Como um cadáver num rio
E quando, de algum lugar
Chegar-me o apelo vazio
De uma mulher a chorar
Só então me voltarei
Mas nem adeus lhe darei
No oco raio estelar
Libertado subirei

A Partida - Vinícius de Moraes