terça-feira, 2 de abril de 2013

A princesa e a ervilha (na cama Box)



Fazia alguns meses que dormia no chão – bem, não no chão, só no colchão no chão. Sem suporte ou cama. Durante a noite, dormia. Durante o dia, encostava-o entre parede e armário e tinha um vazio à minha disposição. Uma concepção bem zen de arranjo mobiliar.
Mas não somos verdadeiramente zen aqui em casa e como descendo da grande linhagem de matronas conjuradoras da friagem, meu estilo de vida minimalista não durou muito tempo. Compraram-me uma cama.
Uma cama bem alta, mais alta que minha antiga (quando tinha uma), e muito mais alta que a distância do colchão ao chão. Eu sinceramente fiquei preocupada em rolar e cair da cama na primeira noite – acabando com a ingênua pretensão de parecer sensível e bela como a belle au bois dormant ou a princesa da história da ervilha.
Além de todas as crises emocionais fajutas de se comprar uma cama nova logo após o término de um relacionamento, eu fiquei divagando.
Pensei em Virginia Wolf, na mulher que quer escrever e que precisa de um quarto só seu. Olhei pra minha nova (e alta) cama, só minha. Mas espaçosa e propícia pra saudade.
[Não, isso já é tolice minha, pois todo e qualquer lugar é propício para a saudade.]
No fundo são todas metáforas espaciais para a necessidade de se achar um lugar seguro para aquilo que é seu, e seu apenas – mesmo que este lugar seja entre a parede e o armário ou no vazio do quarto sem cama. Para quem se é – no chão ou na cama Box.
Só que é sempre difícil achar um lugar seu, mesmo na própria cama, se ficamos presos ao modo como nos olham ou olhavam enquanto dormíamos.
Para mim, isso significa parar de procurar ervilhas e lembranças entre as dobras do colchão. Este ainda sem marcas, inclusive minhas. As únicas de que precisa (e preciso) no momento.

4 comentários:

  1. É provável que não se lembre de mim. Mas eu costumava ler seus textos, e gostava. Porém fiquei um tempo desligado, e voltando aqui depois de muito tempo, lembrei porque ficava atento às suas atualizações, ainda que muito raras. Eu poderia ter escrito esse texto. Não com o mesmo talento e com esta forma tão bela. Me refiro ao fato de que ele parece me descrever, como poderia descrever todos que fazem de seu quarto um refúgio, ou um Tibet particular. Um fato engraçado. Eu tenho uma cama bem alta, mas eu costumo por o colchão no chão, encostado no guarda-roupa, onde me apoio para ler, e só desse jeito eu consigo ler a ponto de perder a noção do tempo. Todo mundo precisa desse pequeno reinado particular. Eu diria até que é uma remota condição de felicidade, o cúmulo das máximas singularidade, individualidade e privacidade permitidas. Enfim, muito bom o texto.

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    1. Claro que lembro de ti, Leo. Voltei há pouco tempo também, pra postar e bisbilhotar uns blogs que eu seguia. Gostei muito de alguns dos teus textos e espero mesmo que não digas mais que vais morrer de câncer. Agradeço o comentário, espero ser menos rara de agora em diante =)

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    2. Hahahaha... Prometo que nunca mais digo que morrerei de câncer. Quanto ao agradecimento, disponha! Aguardarei ansiosamente os próximos "posts". ^^

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