quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Lady sings the blue


Dias frios fazem com que eu me sinta mais viva.
Mais atenta a cada pedaço de pele aquecida. Do calor que sobe pelos pés sem meias, sob o cobertor pesado e macio.
Das bochechas avermelhadas pelo ar enregelado.
Torno-me cônscia de cada respiração. Por certo graças a coriza constante que resiste ao lenço – mas quem se importa?
Cônscia do meu peito que sobe e desce, interrompido vez ou outra por tosses profundas que reverberam em meus pulmões. E daí? Respiro ainda! Ouço meu inalar e vejo diante de meu rosto o ar que sai de mim, esfriando-se.
Num compasso ofegante e trêmulo ao caminhar aceleradamente, ouvindo o som de meus passos pisando as lajotas lustrosas e úmidas do caminho.
Gosto da luz azulada do céu nublado, das nuvens que descem embranquecendo a visão das janelas.
Lembro de Sherlock Holmes, de mistérios em docas e becos silenciosos, das ruas desertas de Londres guardadas por postes que envelhecem o tempo. Da densidade do cinza escuro e da perspicácia da mente humana.
Lembro de Heathcliff, do ardor da paixão fustigado por golpes de vento gelado, do som metálico do piano que atravessa frestas de janelas e portas para unir-se aos penetrantes uivos de Wuthering Heights.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Problema


Minha mente fervilha de pensamentos, chega a latejar, impedindo-me de dormir.
Entretanto, cada vez que tento por pra fora estes issos que me preenchem, minha boca cala, meus olhos cegam e minhas mãos repousam.
Meus pés param, imobilizados com a possibilidade de meus esforços serem vãos, vazios, frente a todo um resto que nunca chega a se manifestar.
As palavras voltam sem ter ido, formando círculos nos quais frequentemente me engasgo.
Cada qual daquilo sobre o que tenho a dizer perde o sentido diante de tudo o mais que penso que poderia estar dizendo. Pior, que poderia estar pensando em dizer.
E ainda questionam minhas piadas sem graça! O que consegue sair deste turbilhão só pode ser infame mesmo!
De médico, poeta e louco, dizem que todos têm um pouco.
Tenho certeza de que excedi minha dose.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Paradoxo de aniversário


“Como você se sente hoje?”
Eu poderia responder que me sinto um dia mais próxima da decrepitude, cuja sombra angustiante lança seu vazio sobre mim enquanto prossigo em passo insignificante por um caminho desnorteado.
Ou talvez, que me sinta radiante, iluminada pela luz atraente de um futuro pleno de possibilidades que me faz voar em imaginação.
Mas, na realidade, sinto-me a mesma de sempre, que muda a cada instante e que sabe aproveitar cada um de seus fugazes momentos de melancolia ou felicidade.

domingo, 6 de setembro de 2009

Dancing with myself


Here’s the thing! Estou a um tempo querendo escrever algo sobre música e parece que nunca consigo compor frases que expressem adequadamente o que sinto quanto a ela.
Este é um tema que me sugere uma vivacidade de espírito, uma espontaneidade e sensibilidade aos quais, ultimamente, não tenho feito jus...
Então, vou esforçar-me para recuperar um antigo encantamento, esboçar paisagens de tom e cor para redescobrir intimamente seus efeitos na minha própria pele.
Há uma frase de Artur da Távola da qual eu gosto muito: “Música é vida interior. E quem tem vida interior jamais padecerá de solidão.” C’est ça! Preencher os dias (não confundam com mero entulhar!) com algo que complete a você mesmo, que inspire! Que seja como a própria respiração, daquelas de doer os pulmões, tão profundamente a sentimos!
Música não pode ser apenas ouvida, deve ser sentida, vivenciada!
Isadora Duncan, certa vez disse: "Dançar é sentir, sentir, sentir é sofrer, sofrer é amar... Tu amas, sofres e sentes. Dança!".
Dançar para expressar o arrebatamento de momentos intensos e exultantes... Cantar porque se sente feliz ou cantar para transformar lágrimas e dor em voz.
Quantas vezes minha vassoura foi uma guitarra ou microfone em potencial! Quantas vezes eu escorreguei de meias pelo assoalho e estourei o som do rádio até o último volume, fazendo de palavras alheias as minhas próprias...
Doce e brando acalanto, rodopios pela casa em plena faxina: Frank Sinatra começa a tocar...

domingo, 30 de agosto de 2009

Domingo de manhã



Tempo fresco, céu limpo, sol radiante e...
“Engata a quarta! Não, não! Muito rápido. Diminui a velocidade antes... Acelera! Vai deixar o carro morrer! Rápido demais! A máxima é 60km/h mas não significa que você não possa ir mais devagar!”.
Meu pai, segurando-se no banco do carona e fazendo o movimento de freiar com o pé antes de cada curva, pacientemente me guia pela estrada...
Estamos indo para o sítio da minha tia-avó... Quase uma little Scotland em Rancho Miguel, coração de Antônio Carlos/SC.
Claro que sem kilts, highlanders ou o Mel Gibson.
Chegaram todos vivos, não se preocupem. E minha tia, ao contrário do que possa ter parecido acima, disse-me que me sai muito bem!
Quanto ao sítio, é uma casa antiga, em estilo colonial, com um jardim em flor e uma grande árvore (acácia mimosa) que faz sombra em uma parte da taipa, a mureta de pedra que cerca o quintal.
Há na frente do portal de ferro, incrustado nas pedras, uma treliça em forma de portal no qual se entrelaça um pé de bougainville rosado.
Além do cercado, verde. Everywhere I turn “I’m staring out at endless rows of green”… Rochas acinzentadas surgem em meio aos montes gramados e às árvores, cujos galhos, ainda ressequidos, esperam pela primavera.
Dentre o que já floresceu: rosas, copos-de-leite, camélias, véus-de-noiva; de tudo um cheiro doce permeia o ar, ameno. Enquanto da cozinha vem um odor quente, salgado, acompanhado pelo ruído de panelas e colheres.
Ao lado da cozinha, uma horta. E para lá da horta, um açude com uma roda d’água no qual nadam cisnes, patos e gansos.
Uma história engraçadinha: certa vez, uma galinha chocou ovos de pata. Quando os patinhos cresceram um pouco, aventuraram-se no açude e, a mãe-galinha, desesperada, batia asas às margens... Incapaz de segui-los.
Sentada à sombra da acácia, ouço um tropel. A égua de pelagem castanha vem descendo. Achega-se a mim e suas crinas enroladas me recordam de velhas histórias sobre feiticeiras que, em noites de lua cheia, sufocavam cavalos entrançando suas crinas ao redor dos pescoços.
Logo o sol se vai.
A temperatura cai.
Ouço a conversa à mesa de café abafada pela música que toca no rádio da sala.
A lua crescente, brilhante, no céu que escurece.
O cheiro fresco de cânfora nos braços ardidos com picadas de mosquitos me deu um pouco de dor de cabeça... Nada é perfeito, não é?

sábado, 29 de agosto de 2009

Rue des cascades

“When I’m asleep in Cascade Street I don’t… See anything
When I’m asleep in Cascade Street I hear… Nothing
When I wake up in Cascade Street I feel… Nothing
When I’m asleep in Cascade Street I don’t… Remember
In the cascade… You washed me”

Yann Tiersen
De fato, existe alguma beleza na incerteza... Algo relacionado a uma potencialidade infinita...
Ainda assim, detesto não saber para onde vou... Mesmo considerando a idéia de flânerie muito charmosa.
E apesar de acreditar que todas as definições são tentativas vãs de dar um sentido coerente a algo em si e por si mesmo contraditório e irredutível, creio ser mais ou menos isso o que farei aqui. Pois nós sempre estamos, de algum modo, nas palavras que pronunciamos.